Meus amigos,
Tem tempo que tenho me dedicado a lembrar, guardar, estudar a história da computação gráfica. O Brasil ocupa um lugar de pioneirismo mundial nesta história, que pouca gente conhece, que quase ninguém fica lembrando e que é muito importante. Pretendo usar minha nova carreira acadêmica em História para ajudar nesta área, e já tenho alguns projetos em andamento. Livros, Mestrado, Exposição, Documentários, uma penca de coisas.
Aqui no Blog da Imagina resolvi ir escrevendo um pouco sobre os softwares e sistemas que eu usei nesta minha carreira. Acho que pode ser útil para quem se interessa por computação gráfica, VFX e animação. As coisas evoluíram muito deste este início. Eu morro de rir quando hoje um profissional chega na minha frente e reclama que o computador está lento porque tem apenas 16 GB de RAM. É uma abundância de recursos atualmente e acho que será útil para eles conhecer como e em que condições este negócio começou.
Eu sempre tive interesse em computadores e vídeo. Em minhas primeiras posições na TV Globo fui exposto as iniciativas do Hans Donner, as do José Dias ainda na Divisão e Pesquisa na Rua Zara, mas meu primeiro emprego em computação gráfica foi na Azimuth Computação Gráfica, do Ormeo Botelho. Talvez tenha sido a primeira produtora particular de CGI do Brasil, futuras pesquisas irão confirmar isso. Era localizada na Praia de Botafogo e equipada com um sistema pioneiro de 3D para PC’s, o Cubicomp Picture Maker.
Fui contratado como criativo, Diretor de Arte, para trabalhar com o Alex Kirst. Mas como sempre tive facilidade com computadores e tecnologia, acabei envolvendo-me com o sistema e aprendendo a usar tanto o Cubicomp como o True Color Paint, o TCP, que era uma versão do futuro TIPS que rodaria nas placas TARGA que seriam lançadas logo depois. Estávamos em 1985.
O setup era o top de sua época, PC’s XT e 286 com co-processadores 80287 (obrigatório) e a espantosa quantidade de 2 Megabytes de memória através de uma placa Intel AboveBoard. O vídeo do computador era CGA de fósforo verde.
O Cubicomp era externo, do tamanho exato do gabinete do PC e se conectava através de um board de conexão.
Era uma época em que a separação das imagens de computador e de vídeo era completa. Vídeo era do frame buffer para fora e daí vinham uma série de equipamentos de televisão que permitiam gravar uma imagem profissional.
Encoder, Decoder, Transcoder, Pulse Generator, Controlador de VT, Waveform, TBC, Vectorscope.
O Encoder/Decoder geralmente eram um equipamento só que fazia as duas funções. O Cubicomp tinha uma saída RGB+Sync que precisava ser “encodado/montado” para vídeo composto, que era a entrada da U-Matic BVU-800 que tínhamos lá. Vídeo análogo composto era o padrão da época.
O Transcoder era necessário para gerar PAL-M de NTSC e o contrário. Vivíamos o dilema do “Never Twice the Same Color” ou “Pay me At Live-More”. Ninguém no mundo fabricava em série equipamentos no nosso sistema exclusivo, o PAL-M. O Pulse Generator era necessário para “genlocar” tudo, gerando o pulso de SYNC que amarrava todos os equipamentos.
O controlador de VT era necessário para fazer a máquina editar em inserts frame a frame através da porta Remote 9 Pinos. O computador lia do HD a imagem e a escrevia no frame buffer. Neste ponto, com a imagem estática na entrada do VT, o controlador dava o comando para inserir 1 frame no Time-Code específico. Pré-Rolo, Edit, post-roll. 900 vezes para 30 segundos. Sensacional era ver a máquina editando sozinha.
O board TBC, Time Base Corretor, permitia atuar nos sinais de vídeo e o Wave & Vector para controlar a qualidade dos sinais.
Tudo era caríssimo, os boards TC e TBC opcionais, um setup destes chegava fácil fácil aos 100 mil dólares. Para entry level…
O Alex era um excelente professor e eu rapidamente aprendi a usar tudo o que tínhamos por lá, o Picture Maker 30, o True Color Paint e o Lumena. Hoje vou falar do Picture Maker, deixando o TCP e Lumena para outro post.
Tive sorte de já chegar botando a mão no PM30, que era já bem evoluído na comparação com o 20, que vi lá, cheguei a usar, e era incrivelmente tosco.
Já está meio sumindo na minha memória, mas o sistema era integrado em seções de modelagem, animação e render. No início não tinha camera, vc tinha que animar “rodando o mundo”. Na modelagem, usando todo o poder dos 2 Mb do AboveBoard, tínhamos, se não me engano 2000 mil polígonos para arrebentar a boca do balão. Sem ele, 750, lembrando que uma esfera decente consome uns 500. A modelagem era feita na unha através de coordenadas ou com a ajuda de tablet’s Summagraphics, onde colávamos cross sections dos modelos para ir marcando os pontos na tela CGA. Modelagem na base da pedra lascada.
O render era Gouraud ou Phong, já com Texture Mapping.
O uso era bem gostoso, onde vc decorava um ritmo e sequências de shortcuts no teclado e tudo rolava relativamente rápido. Toda e qualquer imagem tinha que sair de render, até wireframe, e o render final tinha tempos comparáveis aos de hoje, mas com uma qualidade de fazer rir para hoje. Na época era pura magia.
Vejam:
Muito bom de usar era o Sequencer, um módulo que sequenciava as operações de render e salvar imagens, um conceito muito poderoso e quem se formou no Sequencer tinha ferramentas mentais muito melhores de quem começou mais adiante com o TOPAS, por exemplo. Aqui clamo um comentário do Alceu Baptistão e do Alex Kirst, os outros dois usuários e amigos que conheço e que foram Cubicomp makers!
Eu cheguei a modificar na unha um seq.exe para usar em todos os softwares de PC que usei na minha produtora, por mais de 10 anos.
Depois de aprender a usar o Cubicomp na Azimuth, voltei para a Globo, desta vez na Globo Computação Gráfica, que tinha 2 iguais. De cara o Dias me mandou para a MPM Propaganda, onde colocaram um sistema para educar os criativos com as possibilidades do 3D e computação gráfica. Gente, lembrem-se que nesta época não tinha sido inventado sequer o Photoshop, não tinha nenhum computador na criação e produção das agências, e a MPM da Rua Dona Mariana era a maior agência do país.
Com o fim desta ação, e com o aumento da demanda interna da Globo pelo trabalho dos PC’s, fui para a casa da Rua J. Carlos, trampar com o saudoso Bernardo, o outro Cubicomper da casa. O Setup era o mesmo, trocando a BVU por uma incrível e rara BVH-2500, que era capaz de editar frame-a-frame sem pré-roll.
Junto com o Bernardo, que era muito talentoso, fiz muita coisa, tanto para a TV como para clientes de publicidade. Nesta época já chegavam os primeiros 386, os primeiros CD’s e disquetes de 3.5. Ainda não tínhamos VGA, apenas CGA e Hércules.
Sempre gerenciando os escasso recursos, contando polígonos. Fazíamos as animações inteiras em wireframe, editávamos na fita, para poder saber se estavam boas e para marcar partes dos objetos que poderiam ser apagadas dos modelos, pois nunca seriam vistas. Nossas animações eram quase todas de casquinhas, sem as partes traseiras invisíveis!
Ainda não existia estabelecido o conceito de composição digital como hoje conhecemos, a imagem saía toda do render ou no máximo somando 2 ou 3 layers na hora de colar as imagens no framebuffer.
Usei os Cubicomp’s até ser “promovido” ao Script, o sistema proprietário desenvolvido com a PDI para a TV Globo, que rodava em VAX. Acho que fui a bola da vez porque me dediquei a resolver o problema de ligar os PC’s nos VAX, através de grossos cabos de rede do tipo mangueira de jardim com conectores vampiro, com placas Excelan. Foi uma lenha, tive que escrever um monte de scripts mas funcionou bem. Para funcionar tive que pedir acesso ao sistema do VAX e aprender a usar o Unix, o que naturalmente me colocou na frente do Bernardo na hora que pintou a vaga.
O José Dias me deu como missão encontrar alguém para o meu lugar, uma das mais fáceis que tive na vida, pois trouxe o Alex Kirst, meu mentor inicial, e que após a minha saída ficou por “décadas” na TV.
Eu adorei o Cubicomp, sólido, uma escola e tanto. Praticamente todos os fundamentos de 3D eu adquiri nele. Estudei muito ele. Uma pena que não peguei a versão posterior, já quando a Cubicomp fazia parte da AMPEX, o Picture Maker 60, era muito mais desenvolvida e que o Alceu mastigou com farofa.
Quando tivemos a idéia de sair da Globo e fundar uma produtora independente, algo que de fato fizemos, a idéia era usar o Cubicomp, uma história que caberia sozinha em um livro, mas acabamos por optar pelo caminho mais fácil e usamos placas TARGA.
Graças ao Ormeo, Alex, Dias e Bernardo, tive uma experiência extraordinária com este sistema, um conhecimento que está em uso até hoje.
No próximo Post eu me dedicarei ao TCP, TIPS.
Obrigado e espero que curtam.
Mário Barreto
Sobre o Autor