Eu sou de um outro tempo. “No meu tempo”, as empresas tinham donos. Geralmente os filhos ou netos do fundador, inventor, pioneiro, pessoa excepcional que deu início ao negócio de sucesso.
Os negócios de sucesso orgulhavam-se de ter a sua “sede própria”, uma instalação cuidada com carinho e que de todas as formas materializava o tamanho do sucesso da empresa.
Os funcionários geralmente tinham salas próprias, que ocupavam por anos, a empresa tinha lindas salas de reunião, refeitórios, estacionamento, secretárias. Geralmente quem fosse competente e bem sucedido em seu trabalho, ia sendo promovido até chegar na Diretoria, onde tinha um excelente salário, viajava apenas de Executiva e podia contar com um automóvel e uma secretária. E também geralmente, ali ficava até a aposentadoria.
O trabalho levava o tempo necessário para ser realizado, o funcionário geralmente trabalhava 4 horas na parte da manhã, com os cafézinhos, almoçava com calma e voltava para as 4 horas da parte da tarde. No final do expediente, cumprimentava todos com um até amanhã e ia para casa, sem tanto medo de assaltos, descansar e cuidar de sua família. Esta família era maior, não era incomum ter 4 filhos, a esposa ser “do lar” e o único provento da família ser o salário do pai trabalhador.
Os fornecedores eram sempre pagos em dia, bem como os salários e impostos, isso fazia parte da grandeza da empresa.
Ao final do ano, o negócio dava lucro. A família controladora vivia muito bem, os Diretores também, os funcionários idem e o local de trabalho era o escritório e a fábrica (quando o caso).
Agora vejam como isso era atrasado e como melhoramos.
Quase todos estes negócios foram vendidos para grupos financeiros. Ao assumir os negócios, os passos estão nos livros de administração moderna:
1 – Demitir todos os Diretores caros, cortar carros, salas, viagens executivas e secretárias.
2 – Vender a Sede Própria e alugar uma instalação sempre temporária. Contabilmente a despesa de locação é mais atraente.
3 – Implantar um sistema de pagamento de fornecedores o mais vantajoso possível, com pagamentos em 90 dias ou mais .
4 – Pagar os piores salários possíveis, pois como as empresas tem todas o mesmo perfil e muitas vezes o mesmo dono, é fácil controlar o mercado, obter informações e nivelar por baixo.
5 – Usar toda a tecnologia possível para baratear a mão de obra, quando não for possível eliminá-la totalmente.
6 – Convencer os trabalhadores de que é muito melhor trabalhar de casa, um ambiente muito mais hostil ao trabalho, usando seus equipamentos, luz elétrica e demais instalações, do que prover um escritório bem equipado e caro de manter.
7 – Denunciar os direitos trabalhistas, pejotizar todos e descartar os trabalhadores logo que eles passem dos 40 anos, trocando-os por jovens mais baratos, que com a ajuda dos sistemas e da IA, produzem a mesma coisa por muito menos. Afinal, não tem filhos e nem despesas maiores para sustentar.
No meu tempo, no século passado, mesmo funcionando de forma tão “primitiva” (pagar fornecedores com 30 dias… que primitivo), as empresas funcionavam bem, geravam lucros e a sociedade era menos pressionada.
O novo jeito de gerenciamento financeiro do mundo é, em minha opinião, uma bosta. Uma merda. A troco de concentrar uma quantidade descomunal de dinheiro na mão de uma meia dúzia de controladores, esbodega com tudo o que está abaixo. Sempre vai aparecer um para dizer que eu posso também me beneficiar deste novo sucesso financista, comprando ações destes novos e super rentáveis negócios. Só que com o meu lucro anual eu posso trocar de iPhone, enquanto os controladores pulam seu patrimônio de 45 bilhões para 62 bilhões de dólares.
Os jovens de hoje, os nem tão jovens, nunca viram um mundo melhor, tenho pena deles, porque como se fosse pouco, está ainda piorando.
O mundo dos escritórios bacanas, em prédios lindos, salas confortáveis, moça do café, secretárias, boys, horários bem estabelecidos, prazos decentes, bons salários, transporte coletivo mais seguro, vagas de estacionamento na empresa e futuro previsível, era o normal.
Hoje, como é? Pelo o que eu vejo nos memes é o caboclo trabalhar de casa, aporrinhado com as questões do lar, sem secretária, sem boy, sem um bom salário, sem garantias, sem interação, pressionado por prazos inexequíveis e sem horário de trabalho.
E o mais incrível!!! Acham bom e querem continuar assim.
Então tá né? Quem você conhece que, hoje em dia, sem usufruir de uma herança, apenas com o seu salário pode comprar um apartamento em Ipanema, um bom automóvel e desfrutar de boas férias anuais? Sem ganhar no tigrinho, é claro…